quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A bailarina e a chávena de chá

era uma vez todas as vezes. esta era para a caixinha de música. a caixinha de música tinha uma existência simples, servia apenas para te embalar. mi, lá, dó, uma cadência de notas para encantar petizes. às vezes calava-se e tínhamos de lhe dar corda. então, lá se levantava a bailarina, com os braços em pose a girar sobre si mesma. e o seu canto era o de pássaros em beirais de telhados de zinco. 
e eu bebo o chá nas tardes mornas de outono. e o teu entretém a adormecer, com os olhos da bailarina cansados a pesarem-lhe no rosto. e ela lentamente cai para se deixar dormir. é o embalo que lhe dói. 
é tarde, é já muito tarde. o chá arrefeceu na chávena esquecida no vão da janela. dói-lhe o cheiro de ser chá. a bailarina deixou de dançar, a caixinha deixou de tocar e os teus braços procuram outro embalo, talvez o da chuva que começou a cair. dói-me a mim também qualquer coisa, penso que o teu choro. acorro(te) num ímpeto de abraço. pego(te) e beijo(te) as faces coradas. ris. e a caixinha de música a necessitar de afeto. é o embalo que lhe dói.
esta é a história da tua caixinha de música, aquela que te adormece em sonhos bons, aquela que te desperta para um acordar de beijos. sabes, não a deixes morrer, ainda que o embalo lhe doa.
mas um dia a caixinha de música não tocou. pensávamos que era da pilha, mas não. a música sepultada num funeral por vir. a bailarina prostrada aos pés do piano com as pernas partidas. é um dó vê-la. a sua voz transformada num choro inundado de lágrimas. a caixinha de música morreu, como morrem todas as coisas. fim.