filho, escrevo-te do lá-longe, onde não há mantas nem cachecóis, nem entardeceres de praia ao sol-pôr. morri-te. e deixo-te estas linhas com as palavras que não te disse, ou, se disse, já as esqueci.
hoje lembrei-me de ti. na verdade, lembro-me todos os dias, não sei bem como, pois morri-te. deve existir um cérebro de mãe que nunca morre. foram tantas as coisas que lembrei que não sei por onde começar. rias. e os teus olhos enchiam-se de luz.
a chuva fere-me o telhado em gotas de
pinga-amor. tu dormes, imune à chuva, imune ao mundo lá-fora.
doem-me as mãos, aquelas que te
amparam o choro. doem-me os olhos do cansaço, das noites insones, do
ter cá-dentro um amor maior que é o teu.
sabes, a vida é feita de adendas,
hora-a-hora, dia-a-dia, como se fosse uma manta feita a retalhos. no
fim, tudo se conjuga, tudo faz sentido, menos a morte. mas disso não
te falo, não agora que ainda é o começo.
anda, senta-te aqui, vamos falar de
amor, daquilo que nos une sem palavras, sem quês ou porquês,
simplesmente porque sim. às vezes há metafísica nas palavras que
se fecha numa hermenêutica que ninguém entende. sabes, só o sentir
é bom. e os sonhos não são senão a poesia da alma. por isso,
sonha, faz de ti o poeta da tua vida, o artesão do teu caminho. e não deixes que te expliquem todos os porquês. só o sentir já é
bom.
dói-me o corpo pelo peso dos anos. já
me falta pouco, bem sei. quero deixar-te presa ao peito a saudade. quero imprimir em tons sépia um abraço persistente. quero que te
lembres, sobretudo, quando eu for velhinha e os olhos me fugirem para
as mãos cansadas, que o amor é a única sedução possível.
hoje sei que não passo de um vácuo de memória, de um resto de ser. e eu espero que tu sejas poeta-canção.